Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

blogue do siman

escritor • crítico • diretor de teatro • editor

Crítica literária: O regionalismo ipatinguense na literatura de Rubem Leite

Agosto 31, 2015

rubem2.jpg 

 

   Já disse ao próprio [Rubem] várias vezes que se sua literatura — que é ímpar e incomparável — se assemelhasse com a de algum grande escritor, esta seria extremamente parecida à de Balzac. — E não comparo-o somente à genialidade do grande, mas, mais apuradamente, nos traços sensíveis e profundos do regionalismo concreto e direto.

   Balzac deixa bem claro em toda a sua obra o lugar onde viveu e o amor-ódio que sente por este. Paris é pintada de trás para frente e de frente para trás na trama envolvente e reveladora balzaquiana. No caso de Rubem Leite, Ipatinga é o lugar onde tudo acontece; o poço das artes mágicas-concretas, das alucinações, dos sonhos, dos pesadelos; tudo gira em torno de Ipatinga e seus arredores. E podem estar se questionando: o que um escritor regionalista acrescenta em meu conhecimento caso o for ler? Nada complexo demais: um escritor regionalista acrescenta mais conhecimento de lugares e sentimentos que estes transmitem do que cidades, províncias, países inventados. Os lugares dizem coisas. A cultura e os sentimentos de um texto regionalista são mais apurados pois o texto teve uma conexão direta com o concreto e com a imaginação a partir deste.

 

Eram quatro horas de uma madrugada enluarada no Centro de “Ipatinga, cidade jardim” de concreto, ferro e, agora, menos árvores (LEITE, 2012).

 

   Comparado esse trecho do cronto (como o próprio Rubem prefere dizer) “Alimento da alma” às obras de Balzac é de uma semelhança avassaladora. Paulo Rónai costumava dizer que Paris é a protagonista de toda a Comédia, de Balzac:

 

A Paris de Balzac, para dizer a verdade, pouco tem de idílico. O seu brilho lembra a chama que atrai os insetos noturnos para queimá-los. Se os insetos pudessem refletir! Se olhassem um instante sequer o chão, cheio de asas queimadas, de corpos carbonizados de seus semelhantes! Eles, porém, só sabem olhar para a luz, só têm uma vontade, chegarem-se a ela o mais possível, aquecerem-se a ela (RÓNAI, 2012).

 

   E é exatamente nisto que disse Rónai que a literatura de Balzac e Rubem se casam. Ipatinga, como vimos no trecho de “Alimento da alma”, citado anteriormente, é o “brilho que faz lembrar da chama que atrai os insetos noturnos para queimá-los”. Ipatinga, cidade jardim é uma coletânea de José Augusto de Moraes que conta a história de Ipatinga através dos acontecimentos importantes da cidade, e Rubem ironiza finamente a colocação de uma cidade à roda de uma siderúrgica como uma cidade “sustentável”, ao que se propõe, à primeira vista, o título. Ipatinga tem muitas árvores, sim, mas agora menos.

   A literatura de Rubem, a princípio, é realista. Mas a pontos apurados de sua fantasia em personagens como Guino, e os mais recentes Don Perro de La Mancha e Edgar Allan Cat, o abstrato, pelo surreal, engana-se de tal modo que acredita-se ser real o que se está lendo. E de fato é, no mundo impressionante da obra de Rubem Leite. Mas o mais importante de tudo isto é que, mesmo sendo surrealista, metafórico muitas vezes, Rubem passa uma imagem literal e sóbria do regionalismo ipatinguense.

   Em seu blog, aRTISTA aRTEIRO, Rubem diz que nele [no blog] encontram-se “percepções e concepções de um arteiro artista e de um artista cidadão”, e esta é a chave de sua literatura: ser um artista cidadão e criticar sempre assuntos que estão no repertório atual do povo ipatinguense com sensibilidade literária e crítica indescritíveis, e com um apuro emocional incrível.

   Rubem Leite, comparando-o às raízes da literatura regionalista, é o Balzac ipatinguense. E tão grandioso quanto; ou mais.

 

Referências bibliográficas

   LEITE, Rubem. "Alimento da alma", 2012.

   RÓNAI, Paulo. Balzac e a Comédia Humana. 1.ª ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2012.

entre cangalhas & selas & asas

Agosto 10, 2015

11667489_650066711762022_8064917567881327909_n.jpg

 

 
ela me dizia
como se eu fosse
propriedade
dela:
“quem nasceu pra cangalha
não dá pra sela”
respondi:
passarinhos, que voam
não precisam de sela nem cangalha:
têm asas e, nas asas, liberdade
 
isso é autopropriedade!

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D