Não pode tal esforço estar perdido.
— Necessário é que existam novas terras,
ou teus pés não teriam renascido!
— Ferreira Gullar, "Pés"
poderia olhar
encantado
teus olhos morenos
serenos
poços de paz
em momento de torpor
teus olhos que suponho
sem supor
eu, bisonho
olhando teus olhos
castanhos
poderia olhar
maravilhado
tuas madeixas
enroladas
que sobem em direção ao céu
procurando a escuridão
de onde esconde a clareza
que não têm
eu e meu apego
olhando teu cabelo
negro
poderia olhar teus bracinhos
tuas coxas
e pernas
tuas cavernas ocultas
fontes de todo o desejo do mundo
poderia querer tua lascívia
tua parreira do monte oliva
teu monumento de brincadeira
em parques eróticos e nada infantis
poderia querer todo o teu corpo
mas, diferente que sou
e encantadora que és
quero apenas
teus delicados e grossos pés
que caminham pelas ruas e vales
sentem o perfume das manhãs quando pisam no orvalho (as folhas secas no chão...)
deleitam-se quando lavam-se e surram-se mutuamente em água fervente
deitam-se e andam com divindade e reciprocidade
— que é diferente
teus pés missionários
— tão hilários! —
são rubis ocultos sobre pele
pérolas ocultas sobre unha
pés que caminham e calçam e descansam e sorriem
abrem-se no plié e développé
e seguem esse balé de tchaikosvky que é a vida
;