Crítica de "Grave, amor", do grupo de escritores da revista Satírika
Janeiro 04, 2018
Em "Grave, amor", um grupo de escritores do Cariri realiza um feito incrível tratando-se de conto e narrativa.
Há, nesse texto, certo quê de experimentalismo — quando seis pessoas se unem e continuam a narração começada por outra —, que torna a leitura ainda mais surpreendente pelas continuações que nos atacam de surpresa fazendo o enredo imprevisível a cada cena.
Numa construção de certo modo kafkiana, Raabe e Vine (personagens profundas e de forte carga psicológica) passam por um momento delicado em seu relacionamento, e a partir dum conflito inicial — a percepção que Raabe tem de seu amor e do comportamento de Vine num inside —, descobre-se personagens tão bem construídas e definidas que é justo glorificar a sensibilidade que seus autores tiveram pra continuar adicionando traços às personalidades sem atrapalhar os traços antes construídos pelos narradores anteriores.
De linguagem ora despudorada e enfrentadora, ora descritiva, elegante e paisagística, o leitor vê, então, a incrível mágica da literatura: as diferentes formas de contar (e continuar) uma história.
Mais que um experimento, "Grave, amor" pode ser usado, também, como objeto de intensa compreensão do que Bauman chamava "amor líquido", a fluidez dos relacionamentos contemporâneos e o peso da internet no nosso cotidiano. Sem prender-se a um passado, o conto aborda o presente e pode ser lido com igual deleite num futuro distante. Aí mora a genialidade dos escritores do Cariri: fazem uma nova literatura tendo forte embasamento e referência clássica.
Sued, Yasmine Tavares, Tayná Batista, Victor Vladmir, Francisco Aurélio e Cícero Weverton conseguiram, com absoluta maestria, fazer o retrato duma angústia íntima que contagia outrem a ponto de tornar-se desastre.
Todas as emoções são possíveis em "Grave, amor", e cada leitura é descobrir novas emoções ocultas nas entrelinhas dum texto que inspira arte e literatura de qualidade, reflexão e impacto.
VINÍCIUS SIMAN
crítico literário e escritor