Crônica do dia do escritor: o único lado
Julho 25, 2015
Quando não escrevo, morro.
Quando escrevo, também.
— Gabriel García Márquez
Hoje reencontrei um antigo amigo meu. Cumprimentamo-nos, jogamos conversa fora e ele me disse que andou lendo uns livros meus e que duvidava que eu era capaz de fazer aquilo tudo. Romances, tragédias, policiais, mistérios, suspenses... “afinal, de onde vem tanta genialidade?”, indagou meu amigo. Sem saber o que responder, fiquei petrificado por algum tempo. Me veio, então, a vontade de retratar àquele homem o lado sofrido de ser escritor — afinal, é o único lado.
“Ser escritor não é nada do que dizem os psicólogos”, disse eu, “não é uma válvula de escape, não refresca a alma coisa alguma — a não ser que se tenha um freezer imaginário. É árdua a dor do sofrimento dos personagens, viver e sentir como eles, sê-los. É ruim morrer de amores todos os dias e ressuscitar por precisar escrever mais. É ruim beber café doce e senti-lo amargo, descendo a garganta, comer doce-de-leite e aguçar o lado picante da língua. Nada entra — a não ser tristeza, nada sai — se não for escrito.”
Depois desse papo doido, assustado, meu amigo respondeu: “escritores são felizes, pois ficam ricos sem fazer nada”. Respondi à alto nível: “para escrever, um escritor dá sua alma, sua vida. É uma troca, aparentemente, feita com o Demônio: ou entrega sua alma ou seu coração: de qualquer modo, no fim das contas, se entregar sua alma, seu coração vai junto; se entregar seu coração, sua alma também irá. Ser escritor é sinal de entrega: ‘te dou minha alma se me deres dor, tristeza, solidão’”.
Ele me olhou assustado, pensando que eu estava precisando me internar urgentemente em um manicômio, afastou-se de mim dizendo: “ser escritor é coisa de gênio. Ser gênio é coisa de escritor”.
Até hoje não entendi direito o que ele quis dizer. Não sei se foi irônico, mas, de qualquer modo, o que vale é a intenção. Voltei para casa para escrever mais um bocado. Me afoguei em canecas de café, entre um e outro parágrafo ou verso. Cada um interpreta o “ser escritor” que quiser, mas só sabe de verdade que/quem é um escritor, quem “vive escritor”.
25 de julho, dia do escritor.
Publicado na revista Genia! em 25 de julho de 2014